04
jul
12

Intervenções efêmeras de Clarissa Marchetti: Relativizando a rotina

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Relativizando a rotina, por Clarissa Marchetti

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Dia desses, ainda entusiasmada com a minha nova rotina bem mais flexível do que outrora, me peguei olhando o mundo à volta com estranhamento. No percurso de uns dois quilômetros, sobre duas rodas, cruzei com três crianças (ou pré-adolescentes) em pontos distintos do caminho, todas distraídas com seus celulares a tiracolo, conectadas com o mundo, interagindo com suas vontades, tão donas de si. E eu, embasbacada com aquela naturalidade toda, ainda tendo que me equilibrar.

O fato é que as coisas mudam, as sociedades se reinventam. E talvez isso seja de uma obviedade ridícula, porque aí está a história pra contar o quanto o mundo não para de evoluir. Mas existe um momento na caminhada de cada um em que a gente se dá conta disso. E daí, a gente para, pensa e faz umas boas perguntas sem respostas prontas, sabe? Aonde queremos chegar? Por quê? Viver? Ser feliz? Dessa tomada de consciência é que eu quero falar.

Em função da profissão que eu escolhi passo a maioria do tempo observando as pessoas: como elas se comportam, como elas interagem, suas reações, gostos, desgostos. Observações estas que eu fundamento com leituras de autores que se dedicam ao estudo da sociologia e da antropologia. Em especial, faz uns sete anos que acompanho a produção de um autor que me intriga: Gilles Lipovetsky. Um sociólogo francês que tem tamanha clareza a respeito do nosso atual momento histórico, ou ao menos um olhar que – sob o meu ponto de vista – faz um sentido enorme dentro das experiências vividas e assistidas no século 21.

Lipovetsky traz conceitos complexos pra falar da pós-modernidade, mas de maneira tão aplicada e lógica que posso afirmar, sem dúvida, que suas ideias me auxiliam no entendimento dos acontecimentos do meu tempo, mostrando, por exemplo, que muitas das minhas inquietações não são minhas, mas de uma geração inteira. Em um de seus livros, intitulado A felicidade Paradoxal (cia das letras, 2007), ele diz:  “a vida no presente tomou o lugar das expectativas do futuro histórico e o hedonismo, das militâncias políticas; a febre do conforto substituiu as paixões nacionalistas e os lazeres, a revolução. Sustentado pela nova religião do melhoramento contínuo das condições de vida, o maior bem-estar tornou-se uma paixão de massa, o objetivo supremo das sociedades democráticas, um ideal exaltado em todas as esquinas”.

Outra referência de entendimento dos grandes movimentos contemporâneos é uma empresa de pesquisa de consumo, chamada Box1824, de origem gaúcha, hoje sediada em São Paulo. Famosa por seus vídeos cheios de conteúdo e de estética impecável, há poucos dias a Box espalhou pela rede mais um trabalho que reforça seu olhar apurado sobre os jovens adultos do século 21, suas aspirações e sua relação com trabalho. Vale muito uma olhada: http://vimeo.com/44130258

Não pretendo entrar no mérito se este cenário contemporâneo é melhor ou pior do que os que o antecederam, tampouco sugiro que todos se alienem. Mas penso que, conscientes do contexto em que estamos inseridos, um leque de possibilidades se abre para que tomemos decisões mais fiéis ao que queremos. Nesta perspectiva, se esta é a sociedade da tecnologia, vai ser povoada de seres conectados, interativos, e, muitas vezes, ansiosos por estarem acostumados com tantas facilidades em um mundo sem fronteiras. Se este é o século do hedonismo, seus filhos naturalmente vão procurar prazer em todos os seus dias, inclusive no trabalho, vão desejar o estímulo dos sentidos com frequência no cotidiano, não só nas férias. Se as fronteiras caíram por terra, nunca se viu uma formação de jovens tão plurais, com facilidade de lidar com as diferenças e com vontade de exercer diversos papeis ao longo de sua existência, ao invés de serem os mesmos a vida toda.

Sim, as coisas mudam. Filha do meu tempo, ando com vontade de desfazer as amarras dos padrões que herdei pra escrever páginas que façam sentido com o momento em que vivo. Quero pensar menos no futuro, vibrar intensamente cada passo no presente. Pensar menos no final do caminho e me dedicar a preencher o durante. Quero achar um jeito de trabalhar com aquilo que gosto, empreender e fazer muitas coisas além de só trabalhar. Quem sabe assim, não acabo por embasbacar uns e outros distraída com minhas vontades legítimas de ser.

[Publicado no blog Conexões Efêmeras]

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Clarissa Marchetti: publicitária especializada em Marketing (ESMP/2004) e Comunicação e Moda (PUC-RS/2006). Realiza projetos de marketing promocional e planejamento de comunicação para empresas. Foi eleita a profissional do ano (2010) na área de planejamento promocional pela ARP (Associação Riograndense de Propaganda). Leciona Gestão de Eventos na pós-graduação em Produção Cultural da Castelli – Escola Superior de Hotelaria de Canela. Escreve no blog Conexões Efêmeras.

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