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07
jun
12

A crônica de João Pedro Wappler: A arte de subverter

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A arte de subverter, por João Pedro Wapler

Uma das características seminais do pós-modernismo é falta de durabilidade de quase tudo. Os namoros, as bandas de rock, as geladeiras, os programas de televisão, os automóveis, os bares, os sabonetes, as calças jeans, os telefones celulares, dentre tantos outros atores e objetos da cena hipermoderna estão instados à obsolescência programada. O prazo de validade volátil é a palavra de ordem da sociedade consumista vigente. A indagação que faço aqui é a seguinte: Qual a função da arte dentro desse furacão que rejeita tudo o que não seja absolutamente novo?

Creio que a arte, quando subverte a ordem natural das coisas, através de uma subjetividade crítica – quase simbolista – nos transporta para fora do tônus do cotidiano. Assim, ela já está prestando um grande serviço contra a futilização total dos sujeitos e de seus habitats naturais. Para bombardear o viés autoritário dessa flexibilização incondicional das relações entre os seres e seus objetos cênicos habituais, nada melhor que chutar o balde da tangibilidade e deixar a realidade escorrer para o bueiro mais próximo e, de preferência, o mais rápido possível.

Quando digo arte busco induzir a um campo de produção cultural marginalizado e que não compactue com tudo isso que está aí. Não acudo aqui só a arte dita política – que invariavelmente é mais partidária que política de fato. Não venero também aqui só o puro experimentalismo – que por si só não basta. Estou sim do lado daqueles que criam para si mesmos, como forma de expressão ou declaração. Sou parceiro daqueles que não têm medo de afrontar o mundo com sua sensibilidade subscrita em objetos artísticos. Jogo no time do pessoal que vê a arte como condição básica para uma coletividade considerar-se desenvolvida. Defendo a arte com artigo de cesta-básica. Mas que arte?

Não vejo como arte libertária aquela arte industrializada das canções-slogan, dos livros best-sellers, dos filmes com cara de telenovela, das peças de teatro onde quase não há dramaturgia e apenas apelação ao riso, das obras ditas de arte que mais parecem objetos decorativos ou provocações adolescentes para iletrados, etc e tal. Não censuro quem opta por esse caminho com consciência, mas acentuo que ele não leva até a arte que importa ou faz a diferença – arte que será lembrada e não irá para o lixo orgânico da massificação idiotizada. Essa “arte” da indústria e do descarte presta para mim o mesmo serviço que uma peça publicitária ou um objeto criativo de design: não há inovação, contestação ou sublimação, há apenas uma visão assertiva daquilo que é bem aceito. Quem faz arte para alguém já está se prostituindo, destituindo-se da sua liberdade de criar sem amarras em prol de um status quo confortável. Eles não me interessam em absoluto.

Um dos melhores antídotos contra a mesmice hiper-hedonista atual é localizar alamedas que levem até a concepção de objetos artísticos que removam da poltrona, pelo menos temporariamente, essa massa de desavisados contentes e anestesiados contra o desconforto que a boa arte há de trazer. Se seguirmos apenas consumindo arte como fazemos ao comprar uma lata de cerveja, estaremos embarcando na nau dos desavisados e, mesmo sem querer, compactuando com uma forma pragmática de ver o mundo, por meio de um só ângulo, delimitado de forma ilusória pela nossa ignorância.

João Pedro Wapler é gaúcho.  Ator e escritor, assina o blog de poesia Poesia Imoral (www.poesiaimoral.blogspot.com).

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