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Bento XVI: coragem ou covardia, por Emir Ross
Ano de 2013. Véspera de Carnaval. Pela internet, rádio, aparelhos de televisão, o assunto não é a roupa das destaques no desfile das escolas de samba, ou a falta dela; o assunto é um tanto mais inusitado. Mas não menos pornográfico. O delírio místico da carne no Carnaval 2013 deixou o Brasil de lado. Veio do Vaticano. Protegidos pelos mistérios da fé e dos muros da Igreja, escondido a sete chaves feito a construção de um carro abre-alas, os foliões responsáveis pela igreja anunciam a renúncia de Bento XVI.
O clérigo canta o samba-enredo: um ato de coragem extrema. O anúncio mexe com a mídia mundial. No lugar das bundas nas caras dos foliões, aparece uma cara sem ânimo, talvez sem expectativas.
As perguntas que se seguem: Estava ele sem fé na humanidade, por isso renunciou? Estava ele com fé de menos em si, por isso renunciou?
A coragem e a covardia são tênues linhas que se confundem. Interagem da mesma forma que o piegas e o emotivo.
Ser líder e porta-voz de uma nação tão grande quanto a católica exige estar pleno de todas as funções físicas e mentais. Alguns acham que é preciso ter bem mais que isso. Para outros, tal cargo exige a falta delas.
Entender uma renúncia, seja ela qual for, compreende investigar o princípio. A operação Muros do Catolicismo tem exibido o protecionismo e as leis próprias que regem a instituição. Leis discutíveis num plano ético, moral e legal. Bento XVI teve que lidar, acima de qualquer outro pontífice, com tais questões. Conseguiu lidar com esse problema à sua maneira. Certo ou errado? Há gente que acredita que os fins justificam os meios. Há gente que não.
As regras do Vaticano, as quais o atual-ex-pontífice seguia, e regia, tinham por base a não-comunicação. O que se faz dentro das paredes sagradas é resolvido dentro das mesmas. Bento XVI foi um árduo defensor da hierarquia, do conservadorismo, do fechismo. Poderíamos dizer que eles vivem um carnaval à parte.
O debate quanto à renúncia, a primeira desde a Idade Média, quando as coisas eram resolvidas à base da espada e da forca, é o mesmo que discute o que é um ato de coragem e o que é um ato de covardia.
O herói é o que morre para salvar o que acredita?
O herói é o que consegue se salvar?
O covarde é aquele que se rende para preservar vidas?
O covarde é aquele que prefere morrer para preservar sua opinião?
No princípio, Joseph Ratzinger era um cardeal chegado no antigo Papa. Era seu consultor. Ou tentava ser. Digamos que um puxava o samba e o outro era mestre de bateria. Joseph Ratzinger virou Bento XVI. Primeiro optou por alterar a direção de abertura da Igreja Católica, pela qual João Paulo II estava trabalhando, por um posicionamento conservador. Digamos que o carro abre-alas mudou.
A pedofilia dos padres católicos não existia antes?
A fé das pessoas diminuiu?
Aumentaram as manifestações, as aglomerações, alguns aceitaram as máscaras impostas. Nunca foram tantos contra as posições da Igreja. Nunca foram tantos a desacreditar na instituição. Mas a Igreja Católica já foi mais fechada e nem por isso esteve tão em baixa. Seria isso tudo culpa de um só homem?
A coragem e a covardia estão presentes em todos os seres humanos. Nasce com a gente. Desenvolve-se conforme a necessidade. Ou a indignação.
Seria um pouco de megalomania acusar um único indivíduo por todos os podres ou louros do mundo. Assim como seria hipócrita afirmar que alguém, com tamanha importância feito um Papa, não tem poderes para tomar decisões que mudariam o rumo da instituição, da política e da fé. A força do Papa não está no homem que ele é. Está na função que exerce. As decisões de um homem enquanto Papa não são dele, são da sua representação.
Joseph Ratzinger tem o direito de ser covarde. Tem todo o direito de não suportar as pressões dentro dos muros do Vaticano e, principalmente, de fora. Tem todo potencial para tornar-se um mito pela coragem de um ato em si. João Paulo II, seu antecessor, é conclamado santo. E então, o que fazer depois de um santo? A questão aqui não é se Joseph Ratzinger foi corajoso ou covarde. Neste carnaval que é o Vaticano, Joseph Ratzinger não é Joseph Ratzinger. Neste carnaval, ele é o Papa. E, segundo as regras fechadas que só ao Vaticano cabe ditar, este cargo é vitalício.
Vitalício.
Em resumidas contas, cada um reza para o santo em que acredita. Ou desfila com a fantasia que lhe couber.
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Emir Ross é publicitário e escritor e mora em Porto Alegre. Tem participação em 9 antologias de contos e recebeu mais de 20 prêmios literários. Entre eles, o Felippe d’Oliveira em Santa Maria (3 vezes), o Escriba de Piracicaba (2 vezes), o Luiz Vilela de Minas Gerais (2 vezes), o José Cândido de Carvalho do Rio de Janeiro (2 vezes), o Prêmio Araçatuba, entre outros. Escreve no blog milkyway.
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Emir Ross publica quinzenalmente neste blog.
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