Posts Tagged ‘A crônica de Emir Ross



07
jul
13

A crônica de Emir Ross: Eu sou um cretino

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Eu sou um cretino, por Emir Ross

Eu sou um cretino. E não me esforço para isso. Consigo ser na mais absoluta espontaneidade. Tem gente que se esforça. Faz até cara feia para parecer-se como tal. Mas não consegue. Os cretinos têm a cara bonita. Um sorriso tão falso que se expressa como o mais verdadeiro.

Eu sou um cretino de cara bonita. Faço até algum esforço para parecer mais feio, como deixar a barba mal feita e o cabelo desarrumado. Mas os cretinos conseguem sempre figurar melhores do que são.

Uma amiga perguntou-me por que eu andava sem escrever. Respondi com uma pergunta. “Não?”. “Pelo menos nos últimos tempos, nada novo.”, disse ela, ingenuamente, como todas as pessoas de bem. Então, fui sincero: “Escreverei qualquer cretinice.”

Queria pegar uma poesia. Curta. Para fazer as pessoas chorarem rápido. Mas desisti e decidi segurar a poesia pra semana seguinte. Na verdade, sou tão cretino que estava com preguiça de procurar tal poesia. “Farei um texto rápido, falando de mim”.

As pessoas gostam de ler confissões ou diários ou coisas parecidas referentes à vida alheia. Alguns sábios as chamam de cretinas. Mas eles não sabem o que é ser cretino. Essas pessoas são apenas burras. E burrice é algo de fácil convivência. Já a cretinice é uma arte. Não se aprende. Nasce-se com ela.

E, felizmente, para mim, quanto mais o tempo passa, mais os dotados dela se aprimoram.

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Emir Ross é publicitário e escritor e mora em Porto Alegre. Tem participação em 9 antologias de contos e recebeu mais de 20 prêmios literários. Entre eles, o Felippe d’Oliveira em Santa Maria (3 vezes), o Escriba de Piracicaba (2 vezes), o Luiz Vilela de Minas Gerais (2 vezes), o José Cândido de Carvalho do Rio de Janeiro (2 vezes), o Prêmio Araçatuba, entre outros. Escreve no blog milkyway.

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Emir Ross publica quinzenalmente neste blog.

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23
jun
13

A crônica de Emir Ross: Turistas Japoneses no País do Carnaval

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Turistas Japoneses no País do Carnaval, por Emir Ross

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Sempre que posso, observo os turistas japoneses. Praticamente os sigo. Eles são a espécie mais engraçada que os japoneses inventaram.

Quando eu era criança, e lá se vai muito tempo, queria ser japonês. Mas não turista. Talvez porque os japoneses não param de inventar coisas. E os turistas japoneses vêem o mundo através de uma Sony. Por isso eu queria ter cabelos negros e lisos; olhos esticados; e usar quimono. E, claro, quebrar tábuas com golpes de caratê.

Os golpes de caratê são a forma mais perfeita do autoconhecimento, que, devido a minha intimidade comigo mesmo, prefiro chamar de auto-conhecimento. Dá-se um golpe e pronto. Acabou o lero-lero.

Ando pensando em sugerir um projeto de lei para meus queridos amigos deputados:

Faixa preta em caratê ser pré-requisito para candidaturas à Assembléia e aos diplomas de engenharia.

Afinal, o que tem-se visto de obras públicas in-acabadas, mal-acabadas ou in-operantes daria para se encher um dojô do tamanho do Japão.

Viadutos e estradas são os campeões.

Quando os políticos não sabem para onde direcionar certas verbas, decidem construir um viaduto. O objetivo não interessa. O que vale é fincar placa, tirar foto e preparar discurso. Político tira mais foto ao lado de placa que patricinha ao lado de ator global. A inauguração de obras é o facebook do mandato. É tanto golpe sem direção que o seu Miyagi mandaria esses cidadãos lava-carro, pinta-parede, lixa-chão por meses a fio.

Eu, como leigo cidadão, escritor sem leitores, que nada entende de engenharia ou cálculos, posso enganar-me facilmente. Mais, inclusive, que falar bobagem.

Mas tenho plena convicção que não é necessário construir um viaduto para ligar o nada ao lugar nenhum.

Assim como tenho a santa compreensão de que as coisas mudam e não podemos construir uma rodovia cujo projeto foi elaborado há quinze anos, depois levou uma eternidade para ser aprovado e acaba obsoleto antes mesmo de entregue à população.

Outro ensinamento do Sr Miyagi: antecipe-se aos golpes.

Mas nossos queridos apenas armam a defesa quando já foram atingidos e o estrago está feito.

Tenho a impressão de que os turistas japoneses não entendem muito de caratê. Mas há algo em seu DNA. Eles estão sempre preparados com as câmeras a postos. Principalmente quando visitam o Brasil:

registram as favelas, obras-primas da arquitetura.

os mendigos, fazendo estupendos monólogos com suas roupas características.

Somos um país com atrativos sem igual. Mas eles registram, principalmente, grandes obras de arte feitas a base de ferro e cimento, espalhadas pelo país. Algumas são cortadas ao meio. Outras, parecem estradas para o céu. Ao final de tudo, talhados à Hollywood, esses turistas japoneses vão para suas casas. Assistem com os amigos e tentam desvendar o que os sensíveis artistas queriam expressar com estas intrigantes instalações espalhadas pelo País do Carnaval.

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Emir Ross é publicitário e escritor e mora em Porto Alegre. Tem participação em 9 antologias de contos e recebeu mais de 20 prêmios literários. Entre eles, o Felippe d’Oliveira em Santa Maria (3 vezes), o Escriba de Piracicaba (2 vezes), o Luiz Vilela de Minas Gerais (2 vezes), o José Cândido de Carvalho do Rio de Janeiro (2 vezes), o Prêmio Araçatuba, entre outros. Escreve no blog milkyway.

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Emir Ross publica quinzenalmente neste blog.

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09
jun
13

A crônica de Emir Ross: Ditadura do Faustão

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Ditadura do Faustão, por Emir Ross

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danca-dos-famosos-2013-el.

Cada vez que se fala do surgimento de um futebolista, taxa-se: jamais chegará aos mil gols de Pelé.

Eu não entendo porque os mil gols são tão importantes. Conheço boleiro que já fez mais de cinco mil gols. É só ir para essas canchas de futebol aos finais de semana e perguntar que se encontra aos montes. Mas, então, se tanta gente faz tantos gols, porque os importantes são os de Pelé?

O que importa na verdade, em qualquer que seja o assunto, não é o que acontece, mas o que está ao alcance de um conhecimento limitado de pessoas.

Bem sabido isto, é deprimente nos dias correntes ser um desconhecido que já fez mais de cinco mil gols.

Trocando em miúdos, é fácil deprimir-se ainda mais se começarmos a falar em música, literatura e outras artes onde a maioria do que é bom não chega ao alcance do público.

Estamos vivendo a ditadura cultural do Domingão do Faustão.

Quando um indivíduo entrega-se a ela, seus ouvidos e cérebros não conseguem mais se locomover. Na sofreguidão caquética dessa ditadura, deixa-se de gostar de música, de literatura ou de cinema. Tem gente que não vai assistir a determinado filme apenas por ‘não gostar de cinema nacional’. Nestes termos as discussões da semana não giram em torno dessa ou daquela obra e sim sobre quem apareceu no Faustão e que roupa vestia.

Um mês depois do aparecimento, ninguém lembra da grande obra do artista de um domingo que vendeu horrores na segunda e, do nada, deixou de existir.

Ganha a naba que apareceu na telinha, ganha o plim-plim, ganha o selo que o patrocina. Sabe quem perde?

Em poucas linhas, perguntarão o que Pelé tem a ver com isso. Respondo que, se Pelé fizesse dez mil gols ali no campo da Redenção, ninguém saberia que ele teria existido, apesar do estupendo recorde de gols.

Conheço algumas bandas de Porto Alegre que podem ser comparadas tranquilamente ao The Who, ao Jethro Tull ou ao Belle & Sebastian pela qualidade do seu trabalho. Mas, por fazerem seus gols no campo da Redenção, Deus e o Diabo, Bilirrubina, Irmãos Rocha e Input Output deixaram de existir após um ou dois álbuns. Depois surgem outras marcando inúmeros gols: Apanhador Só, Procura-se Quem Fez Isso. Não vou me estender falando de escritores, cineastas, artistas plásticos que sequer conheço e certamente teriam um trabalho para se aproveitar exaustivamente. Mas o que fazer, eles não chegam ao Domingão do Faustão e não usam chapinha. Melhor parar por aqui e aproveitar os shows dos referidos enquanto existem.

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Emir Ross é publicitário e escritor e mora em Porto Alegre. Tem participação em 9 antologias de contos e recebeu mais de 20 prêmios literários. Entre eles, o Felippe d’Oliveira em Santa Maria (3 vezes), o Escriba de Piracicaba (2 vezes), o Luiz Vilela de Minas Gerais (2 vezes), o José Cândido de Carvalho do Rio de Janeiro (2 vezes), o Prêmio Araçatuba, entre outros. Escreve no blog milkyway.

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25
maio
13

A crônica de Emir Ross: Bundas e ombros

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Bundas e ombros, por Emir Ross

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Antigamente os árbitros vestiam preto. Vez em quando, uma camisa amarela. Bem vez em quando. O preto era o símbolo da imparcialidade. Da austeridade. Mas os tempos mudam. Hoje, eles vestem camisa, calção e meias verde-limão, rosa-choque ou outra cor brilhante que aparecer. Fúcsia sempre é uma ótima opção. A mudança na cor foi só o começo. Em suas bundas e ombros vibram marcas de lojas, de equipamentos eletrônicos e de etecétera. É o fim da imparcialidade. Como confiar em alguém que vende suas bundas e ombros para as marcas que pagam mais?

O mundo está mudando. O futebol é apenas o reflexo mais vistoso. Tudo parece à venda. Ou para aluguel.

Não me será estranho o dia em que a denominação do nosso planeta for licenciada por períodos de tempo. Vejo os repórteres em matérias de telejornais: “A população do Planeta Terra Coca-Cola aumentou em doze por cento no último ano segundo dados revelados hoje.”

Como no mundo das grandes marcas tudo é ação-reação, o concorrente terá de ser criativo: no intervalo do mesmo telejornal, veicula filme de trinta segundos: pessoas num parque ensolarado, passeando felizes. E uma assinatura: “No Planeta Terra Coca-Cola, todos ficam mais felizes quando o Sol Pepsi brilha.”

Mas não é apenas o planeta em que você mora e a estrela que ilumina suas manhãs que terão nomes de grandes marcas. Você poderá ter que alugar seu próprio nome.

No Brasil, a família Silva perderia a hegemonia. Pelo desconto de dez por cento na compra de seu ar condicionado, você se chamará José da Silva Cônsul por dois anos. Mas seu nome não poderá aparecer em fichas sujas. Caso aconteça, o desconto vai pro brejo e a multa é alta.

Nesse caso, não sei se o pior é pagar a multa ou manter o Cônsul no nome. Ainda mais se seu time de futebol alugar o nome para a Eletrolux. “Cônsul torce para o Eletrolux.”. Quando o time perde, o presidente explica: “precisamos dar um choque de ânimo nos jogadores.” É estranho, mas é a vida. Será normal. Estranho seria não aproveitar as oportunidades.

Estas são igual pernas de pirigueti, se abrem a todo momento.

Quando esse dia chegar, e vai chegar, seu animal de estimação também entrará na jogada. Se chamará Motorola por três minutos e você ganhará mil bônus na compra do próximo videofone. Para isso, é só postar uma foto engraçada dele no Motobook.

Nesse aparelho, é proibido parecer menos feliz que os outros redenautas. Mas esse papo não é novidade.

Novidade será daqui a cento e quarenta e sete anos alguém desdizer isso.

Enquanto esse tempo não chega, sintonizo os canais de futebol. Vejo a grama verde e a torcida entusiasmada. E os árbitros alugando bundas e ombros. Mas, o que fazer, melhor nos deles do que no meu.

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Emir Ross é publicitário e escritor e mora em Porto Alegre. Tem participação em 9 antologias de contos e recebeu mais de 20 prêmios literários. Entre eles, o Felippe d’Oliveira em Santa Maria (3 vezes), o Escriba de Piracicaba (2 vezes), o Luiz Vilela de Minas Gerais (2 vezes), o José Cândido de Carvalho do Rio de Janeiro (2 vezes), o Prêmio Araçatuba, entre outros. Escreve no blog milkyway.

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Emir Ross publica quinzenalmente neste blog.

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12
maio
13

A crônica de Emir Ross: Pubblicità Caffè

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Pubblicità Caffè, por Emir Ross

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Quando eu crescer, não quero ser publicitário: quero ser dono de um café.

Quando eu crescer, não quero um sorriso estampado no rosto e um rótulo estampado na testa. Quando eu crescer, não quero fazer campanhas, mesmo que seja esta contra os rótulos. Porque os únicos rótulos que gosto são de vinhos e cervejas. E a única campanha que presta é a campanha gaúcha.

Quando eu crescer, não quero falar frases com a metade das palavras em marquetês, afinal, vivo no Brasil e aqui se fala brasileiro. Quando eu crescer, não quero comer modelos que não enxergam através do espelho: quero uma namorada que saiba ler as entrelinhas.

Quero um cabernet ao invés de uma coca-cola; quero um risoto com música ao vivo ao invés de uma pizza na mesa de reuniões. Quero um amigo ao invés de um dupla de criação.

Quando eu crescer não terei idéias: gozarei.

Quando eu crescer não planejarei o ano: viverei.

Quando eu crescer não terei um anúncio na manga: terei convicções.

Pois quando eu for grande, não irei atrás de prêmios, irei atrás de gente.

E passarei noites memoráveis ao invés de noites em claro.

Quando eu crescer não quero ser publicitário: quero ser duradouro.

Não farei as pessoas comprarem: as farei felizes.

Não direi que um produto mudará suas vidas: servirei um café.

E puxarei uma canção, ao invés de um tapete.

Quando eu crescer, não tentarei inventar o mundo: tentarei decifrá-lo.

Tentarei contar uma história triste: porque nas histórias tristes está a essência das coisas.

Tentarei fazer com que as pessoas adotem um animal: porque ser vivo não se compra ou vende, além do que, muitos não têm porque botar um filho na terra.

Tentarei instituir a hora do abraço. Porque enquanto as mãos estiverem ocupadas não podem fazer bobagens.

Quando eu crescer, todos poderão visitar meu café na ‘noite do escuro’. Porque quando não há luzes, conseguimos enxergar muito melhor.

E, finalmente, quero que todos tenham tempo e vontade para ler os textos até o fim, quantas vezes for necessário, e se emocionem pelo simples fato de sua vida não ser de plástico e seu trabalho não servir apenas para ser colocado sobre o tapete de um carro na forma do jornal de ontem.

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Emir Ross é publicitário e escritor e mora em Porto Alegre. Tem participação em 9 antologias de contos e recebeu mais de 20 prêmios literários. Entre eles, o Felippe d’Oliveira em Santa Maria (3 vezes), o Escriba de Piracicaba (2 vezes), o Luiz Vilela de Minas Gerais (2 vezes), o José Cândido de Carvalho do Rio de Janeiro (2 vezes), o Prêmio Araçatuba, entre outros. Escreve no blog milkyway.

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28
abr
13

A crônica de Emir Ross: Orgulho

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Orgulho, por Emir Ross

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O grande orgulho de todo tupiniquim, em suas conversas de boteco, é dizer que viveu no estrangeiro. Todos sempre enchem a boca para relatar de que forma habitaram Nova Iorque, Paris ou Londres. Hoje em dia, Shangai, Sidnei e Vila Nova de Gaia também já fazem parte do orgulho dos brasileiros. Recém-regressados, crescem em suas cadeiras relatando o quanto ganhavam e o quanto gastavam por semana nestes solos distantes. Nessas horas, quando perguntados sobre o que faziam, os tupiniquins têm por saída uma alternativa aprendida no futebol: o drible da vaca.

Na verdade, não há maior orgulho do que viver no Brasil. Afinal, aqui tudo é mais caro: do vinho às cirurgias de implante mamário. Dessa forma, já que no Brasil o dinheiro dificilmente é suficiente pelas coisas custarem mais e, principalmente, pela saúde e segurança comprometerem grande parte dos nossos ganhos que no estrangeiro são pagos com as arrecadações de impostos, deixamos de investir em supérfluos como cultura e garotas de programa.

Os altos impostos que se perdem nos corredores do governo são as principais causas da nossa safra de artistas estar à mingua e nossas garotas de programa preferirem trabalhar no exterior. O mercado se auto-regulamenta. É a lei da oferta e procura. Você não pode oferecer o que ninguém busca – ou não tem dinheiro para pagar.

Uma solução, para meu caso, seria aprender a escrever metáforas em inglês. Ou virar garota de programa.

Mas não pretendo deixar o mapa tupiniquim.

São Paulo figura há vários anos como uma das cidades mais caras do mundo. Isso é um orgulho. Principalmente para quem sobrevive nela com um salário mínimo. Mas estes não podem gabar-se nas conversas de boteco com o regresso de Londres por uma simples razão: não terá dinheiro para ir ao boteco. Talvez por isso, o filho pródigo encha-se tanto de orgulho.

Mas o maior orgulho que se há de ter no Brasil é sobreviver aos (próprios) botecos. Com a qualidade das nossas cervejas e vinhos, o dia seguinte é sempre um risco ao qual teremos de enfrentar.

Uma cerveja nacional no Brasil custa mais que uma cerveja nacional na Europa. Mas a diferença não é somente essa. O que afeta o dia seguinte é que nossas cervejas dificilmente contém cevada e são fermentadas a base de repolho. Tudo bem, se não quisermos a que desce redondo, podemos pedir uma belga. Mas a belga custa quatorze vezes a mais do que custaria no Hemisfério Norte. Prefiro não falar dos vinhos já que eles praticamente inexistem nos cardápios por preços consumíveis. Dizem que é por causa dos impostos. Tudo que sei é que a provável causa da nossa ressaca comece muito antes do primeiro gole.

Assim, o Brasil torna-se mais caro a medida que exigimos alguns luxos como, por exemplo, o direito ao lazer. Mas o Brasil é sim o país do supérfluo. Nos damos ao luxo de falar português, demorar duas horas nas saídas dos estádios e ficar meia hora assistindo o pessoal do BBB a dormir, na esperança que aconteça algo por baixo do edredom.

O tupiniquim é um privilegiado. Ele tem todo o tempo do mundo. Logo, ele é rico.

Então, da próxima vez que você tiver o privilégio de estar numa mesa de bar e ouvir histórias vangloriosas de quem morou por algumas temporadas em Nova Iorque, London-London ou nos arredores de Paris, suba no salto e aponte o dedo, dizendo: “E você sabe a quanto tempo eu consigo viver em São Paulo?”

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Emir Ross é publicitário e escritor e mora em Porto Alegre. Tem participação em 9 antologias de contos e recebeu mais de 20 prêmios literários. Entre eles, o Felippe d’Oliveira em Santa Maria (3 vezes), o Escriba de Piracicaba (2 vezes), o Luiz Vilela de Minas Gerais (2 vezes), o José Cândido de Carvalho do Rio de Janeiro (2 vezes), o Prêmio Araçatuba, entre outros. Escreve no blog milkyway.

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14
abr
13

A crônica de Emir Ross: Darín

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Darín, por Emir Ross

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Darín - ElefanteBlanco1

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Esses tempos jogaram Brasil x Argentina.

Fui ao cinema.

Vi um filme argentino: Elefante Branco.

Era um filme com Ricardo Darín.

Não falarei sobre o filme.

Buenos Aires tem um estoque de setenta e dois Ricardo Daríns.

Ele atua em todos os filmes portenhos. Em “Medianeiras” ele era a medianeira. Para manter a alta rotatividade que os papéis exigem e a complexidade dos personagens, a cada três meses fabricam um novo Darín.

Colocam no almoxarifado.

Quando um quebra, substituem. Quando um está ocupado, mandam o reserva. Há uma equipe especializada em conservação de Daríns.

Lubrificam, trocam órgãos, aceleram a duplicação celular. Já ouvi falar que há um curso de doutorado na ENERC de especialização na reprodução e conservação de Daríns. Dizem.

Eu acho isso ótimo. Os povos precisam aperfeiçoar o que tem de melhor. Se não há bons governantes, que haja bons atores. Nós temos Fernanda Montenegro e Salomé Parísio. Os egípcios não tinham atores, tinham Tutancâmon. A Grécia é o berço da Tragédia e da Comédia. Estamos mais para gregos do que para egípcios. Mas somos pós-modernos. E barrocos. Tudo ao mesmo tempo. Nosso futebol é uma comédia. Nossa política, uma tragédia.

Esses tempos jogaram Brasil x Argentina.

Ainda bem que ainda não começaram a reproduzir Messis. Prefiro que continuem aumentando o estoque de Ricardo Daríns. Setenta e dois é pouco.

O cinema argentino precisa produzir mais. O futebol, bem, seria bom deixar como está.

Quando chegarmos ao centenário de nascimento de Messi e fizerem um filme sobre sua vida, o interprete será Ricardo Darín.

Na tela, ele fará golos mais belos que o próprio Messi. Tudo estará lá. Registrado. Com roteiro e trilha sonora. Pronto para levar os aplausos e as lágrimas das multidões. Tudo estará lá. Afinal, Ricardo Darín, só há um.

 

Emir Ross é publicitário e escritor e mora em Porto Alegre. Tem participação em 9 antologias de contos e recebeu mais de 20 prêmios literários. Entre eles, o Felippe d’Oliveira em Santa Maria (3 vezes), o Escriba de Piracicaba (2 vezes), o Luiz Vilela de Minas Gerais (2 vezes), o José Cândido de Carvalho do Rio de Janeiro (2 vezes), o Prêmio Araçatuba, entre outros. Escreve no blog milkyway.

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31
mar
13

A crônica de Emir Ross: Cabeças cortadas

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Cabeças cortadas, por Emir Ross

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Eu não sei porque, mas o cabeleireiros estão me lembrando cada vez mais uma profissão que nunca faz o que a gente espera deles: os políticos.

Eu ainda não consegui descobrir porque os cabeleireiros perguntam como queremos o corte. Afinal, depois de sentarmos naquela cadeira, que mais parece uma cadeira de força ou uma cadeira elétrica beirando para uma cadeira dos horrores, eles fazem o que bem entendem da nossa cabeça. Houve um, em Sevilla, que fazia lingüiça.

Os cortes de cabelo nunca são o que a gente espera. Um dos motivos, claro, é o nosso cabelo. No Brasil, é comum mulatas podres de fashion mega produzidas, embaladas e aromatizadas chegarem ao cabeleireiro não menos bem empacotado, com uma revista mega-tendência última-moda ultra-moderna com cortes hiper-descolados vindos lá do Japão. Depois de trocarem idéias, fofocas, beijinhos e elogios é hora de conferir as tesouradas e sair com cara de nojo porque o cabelo pixaim ficou diferente do cabelo espetado da mulata made in japan da revista.

Voltando aos políticos. Pra começar, político não é profissão, embora a grande maioria no Brasil se denomina político profissional. Político é um cargo. Público. E profissão é algo exercido por profissionais. Mas tendo em vista a grande trama que rola pelos poderes, tiro o meu chapéu para esses profissionais.

Eles são sensacionais. Na verdade, se todos os profissionais brasileiros levassem à risca sua profissão como os políticos seríamos o país número um em Nobels. Os políticos têm carreira. Sim: carreira política. Isso significa que você começa por baixo, faz estágios, aprende a discursar, leia-se mentir, faz alianças, leia-se quadrilhas e destina as verbas para as necessidades da população, leia-se necessidades políticas.

Tirando os políticos, as mulatas e os cortes japoneses que nem japoneses são, o que me faz ficar mais puto que o cabeleireiro é o ego desses tesoureiros. Esses dias cheguei ao salão para reduzir um pouco o volume de minha juba. “Um pouco”, fiz questão de mencionar. Mas biba quando se empolga é pior que o Edmundo. Fominha ao extremo. Não larga a tesoura. É navalhada e cabelo voando e caindo e chiando por todo lado. Até parece político cortando verba da merenda escolar. Taí outra coisa em comum entre cabeleireiros e políticos: ambos estão sempre a par da tesouraria.

Resultado: fiquei com corte de milico de Segunda Guerra Mundial.

Eu não entendo essa fixação em acabar com a cabeça dos outros.

Eu não entendo esse desejo insaciável de inventar moda nos cabelos alheios.

Eu não entendo, finalmente, porque perguntam “O que vamos fazer nesse cabelo sem vida?”

Talvez a resposta esteja nos caixas secretos do Senado. Mas o que quero realmente salientar é que sem vida é o que o próximo cabeleireiro que não seguir minhas instruções vai ficar. Da próxima vez, chegarei dizendo: “meu cabelo tá sem vida, mas presta atenção, faz o que eu quero senão tu vai é ficar igual a ele.”

Essa é uma boa frase para se dizer a um político em véspera de eleição, quando este prometer dar mais vida à população.

Invejo meu pai, que não pegou essa onda de cortes. Lembro dele saindo todo sábado após a sesta. Ia para o barbeiro. Chegava em casa ao anoitecer com os bolsos repletos de balas, com a barba feita e o cabelo aparado. Todos os sábados. Com o cabelo do jeito que ele queria. E com os bolsos cheios.

Isso que é ser moderno-tendência-últimamoda-fashion: é ir ao barbeiro e este fazer exatamente o que a gente quer. É eleger um político para um cargo e ele defender nossos interesses.

Esse pessoal que insiste em fazer nossa cabeça, seja em Brasília ou no Salão do Shopping, não tá com nada. Está, no máximo, com os dias contados pelas lâminas de uma tesouraria bem afiada.

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Emir Ross é publicitário e escritor e mora em Porto Alegre. Tem participação em 9 antologias de contos e recebeu mais de 20 prêmios literários. Entre eles, o Felippe d’Oliveira em Santa Maria (3 vezes), o Escriba de Piracicaba (2 vezes), o Luiz Vilela de Minas Gerais (2 vezes), o José Cândido de Carvalho do Rio de Janeiro (2 vezes), o Prêmio Araçatuba, entre outros. Escreve no blog milkyway.

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Emir Ross publica quinzenalmente neste blog.

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17
mar
13

A crônica de Emir Ross: Sobre o nada

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Sobre o nada, por Emir Ross

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Nada tenho a falar sobre Machado de Assis. Mas sinto uma necessidade enorme de escrever algo. Sem importar o quê. Tem tanta gente falando nada sobre coisa alguma. Decidi falar nada sobre Machado.

Passado mais de um século, as pessoas ainda não perceberam o essencial no fundador da academia. Ainda discutem se Capitu deu ou não deu para Escobar. Acho que os discutidores do assunto não leram o livro. Ou ela fez inseminação artificial ou abriu as pernas para o amigo do marido. O fato do filho do casal ter o a cara e os trejeitos de Escobar não podem ser apenas obra de um narrador inconfiável.

Para mim, inconfiáveis são essas discussões. Machado não é uma discussão. É um estado de espírito. No fim, acho que ainda não aprendemos a ler. O que importa não é a traição. A importância está na necessidade que o autor nos provoca. A necessidade de falar sobre o assunto. Mesmo que nada haja a ser dito.

Em tempos de Big Brother (não falo do George Orwell, falo do Pedro Bial), o nada parece mesmo ser a tônica da cultura nacional. Parece que estamos meditando vinte e quatro horas por dia. Ou seja, com a mente vazia.

Nos anos dois mil, o que parecia impossível tornou-se lugar comum. Se antes precisava-se de anos para esvaziar a mente para conseguirmos meditar, agora faz-se num simples toque no power. Tudo bem que não se medita, mas com a mente vazia já é meio caminho andado.

Talvez esse seja o caminho para a paz em nosso país: a meditação. Nunca pensei que Pedro Bial tivesse esse poder.

Aposto que o próprio Bhuda está fascinado com essa descoberta. Assim como Machado de Assis está se revirando no caixão pelas notícias e repercussão sobre sua obra que os vermes lhe trazem.

O que os vermes não devem comunicar são as atividades da Academia Brasileira de Letras. Nem os nomes de seus integrantes. Se a importância que a fugidinha de Capitu alcançou o faz revirar-se no caixão, imaginem se ele soubesse que o José Sarney faz parte da casa que ele fundou para abrigar a nata dos escribas tupiniquins.

Acho que devo assistir mais o plim-plim. Estou começando a gostar dessa história de falar sobre o nada. Depois do meu aperfeiçoamento, talvez eu já consiga falar nada sobre futebol, sobre o aquecimento global e, chegarei ao auge, falando nada sobre a política.

Mas, antes, preciso acompanhar muito o programa do Bial. Ouvi dizer que até pay-per-view tem. Vinte e quatro horas por dia. Vou assinar.

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Emir Ross é publicitário e escritor e mora em Porto Alegre. Tem participação em 9 antologias de contos e recebeu mais de 20 prêmios literários. Entre eles, o Felippe d’Oliveira em Santa Maria (3 vezes), o Escriba de Piracicaba (2 vezes), o Luiz Vilela de Minas Gerais (2 vezes), o José Cândido de Carvalho do Rio de Janeiro (2 vezes), o Prêmio Araçatuba, entre outros. Escreve no blog milkyway.terra.com.br.

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Emir Roos publica neste blog na primeira e terceira segunda-feira do mês.

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03
mar
13

A crônica de Emir Ross: Bento XVI: coragem ou covardia

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Bento XVI: coragem ou covardia, por Emir Ross

 

Ano de 2013. Véspera de Carnaval. Pela internet, rádio, aparelhos de televisão, o assunto não é a roupa das destaques no desfile das escolas de samba, ou a falta dela; o assunto é um tanto mais inusitado. Mas não menos pornográfico. O delírio místico da carne no Carnaval 2013 deixou o Brasil de lado. Veio do Vaticano. Protegidos pelos mistérios da fé e dos muros da Igreja, escondido a sete chaves feito a construção de um carro abre-alas, os foliões responsáveis pela igreja anunciam a renúncia de Bento XVI.

O clérigo canta o samba-enredo: um ato de coragem extrema. O anúncio mexe com a mídia mundial. No lugar das bundas nas caras dos foliões, aparece uma cara sem ânimo, talvez sem expectativas.

As perguntas que se seguem: Estava ele sem fé na humanidade, por isso renunciou? Estava ele com fé de menos em si, por isso renunciou?

A coragem e a covardia são tênues linhas que se confundem. Interagem da mesma forma que o piegas e o emotivo.

Ser líder e porta-voz de uma nação tão grande quanto a católica exige estar pleno de todas as funções físicas e mentais. Alguns acham que é preciso ter bem mais que isso. Para outros, tal cargo exige a falta delas.

Entender uma renúncia, seja ela qual for, compreende investigar o princípio. A operação Muros do Catolicismo tem exibido o protecionismo e as leis próprias que regem a instituição. Leis discutíveis num plano ético, moral e legal. Bento XVI teve que lidar, acima de qualquer outro pontífice, com tais questões. Conseguiu lidar com esse problema à sua maneira. Certo ou errado? Há gente que acredita que os fins justificam os meios. Há gente que não.

As regras do Vaticano, as quais o atual-ex-pontífice seguia, e regia, tinham por base a não-comunicação. O que se faz dentro das paredes sagradas é resolvido dentro das mesmas. Bento XVI foi um árduo defensor da hierarquia, do conservadorismo, do fechismo. Poderíamos dizer que eles vivem um carnaval à parte.

O debate quanto à renúncia, a primeira desde a Idade Média, quando as coisas eram resolvidas à base da espada e da forca, é o mesmo que discute o que é um ato de coragem e o que é um ato de covardia.

O herói é o que morre para salvar o que acredita?

O herói é o que consegue se salvar?

O covarde é aquele que se rende para preservar vidas?

O covarde é aquele que prefere morrer para preservar sua opinião?

No princípio, Joseph Ratzinger era um cardeal chegado no antigo Papa. Era seu consultor. Ou tentava ser. Digamos que um puxava o samba e o outro era mestre de bateria. Joseph Ratzinger virou Bento XVI. Primeiro optou por alterar a direção de abertura da Igreja Católica, pela qual João Paulo II estava trabalhando, por um posicionamento conservador. Digamos que o carro abre-alas mudou.

A pedofilia dos padres católicos não existia antes?

A fé das pessoas diminuiu?

Aumentaram as manifestações, as aglomerações, alguns aceitaram as máscaras impostas. Nunca foram tantos contra as posições da Igreja. Nunca foram tantos a desacreditar na instituição. Mas a Igreja Católica já foi mais fechada e nem por isso esteve tão em baixa. Seria isso tudo culpa de um só homem?

A coragem e a covardia estão presentes em todos os seres humanos. Nasce com a gente. Desenvolve-se conforme a necessidade. Ou a indignação.

Seria um pouco de megalomania acusar um único indivíduo por todos os podres ou louros do mundo. Assim como seria hipócrita afirmar que alguém, com tamanha importância feito um Papa, não tem poderes para tomar decisões que mudariam o rumo da instituição, da política e da fé. A força do Papa não está no homem que ele é. Está na função que exerce. As decisões de um homem enquanto Papa não são dele, são da sua representação.

Joseph Ratzinger tem o direito de ser covarde. Tem todo o direito de não suportar as pressões dentro dos muros do Vaticano e, principalmente, de fora. Tem todo potencial para tornar-se um mito pela coragem de um ato em si.  João Paulo II, seu antecessor, é conclamado santo. E então, o que fazer depois de um santo? A questão aqui não é se Joseph Ratzinger foi corajoso ou covarde. Neste carnaval que é o Vaticano, Joseph Ratzinger não é Joseph Ratzinger. Neste carnaval, ele é o Papa. E, segundo as regras fechadas que só ao Vaticano cabe ditar, este cargo é vitalício.

Vitalício.

Em resumidas contas, cada um reza para o santo em que acredita. Ou desfila com a fantasia que lhe couber.

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Emir Ross é publicitário e escritor e mora em Porto Alegre. Tem participação em 9 antologias de contos e recebeu mais de 20 prêmios literários. Entre eles, o Felippe d’Oliveira em Santa Maria (3 vezes), o Escriba de Piracicaba (2 vezes), o Luiz Vilela de Minas Gerais (2 vezes), o José Cândido de Carvalho do Rio de Janeiro (2 vezes), o Prêmio Araçatuba, entre outros. Escreve no blog milkyway.

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Emir Ross publica quinzenalmente neste blog.

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