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set
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A prosa ligeira de Jaime Medeiros Júnior: Das pontes, sobretudo

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Das pontes, sobretudo, por Jaime Medeiros Júnior

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Quando em vez, ao nos pormos a ler, tomamos um qualquer dos muitos possíveis desvios que nos permite o texto. Lendo Interpretação e superinterpretação [Eco], me deparo com um pequeno passo em que pra modo de bem se explicar o modus [o manter-se dentro dos limites e das medidas, que parece comportar em si o mesmo receio grego de incorrer em desmesura, mas, aqui, medo já posto em regras]. O modus parece ter um amplo alcance, sendo a base de um viver mais racional [tenha modos menino!]. Nele vamos encontrar uma faceta lógica, que aceita os três princípios da lógica aristotélica [de identidade, da não contradição, e do terceiro excluído]. Mas em Roma nada se faz só especulação. Há de se encontrar sempre um aspecto legal e contratual. O que aqui deriva na importância que se dará a questão da defesa das fronteiras, da preservação dos limites territoriais. [E talvez por conta das diferenças entre o Ares grego e o Marte romano] Se coloca o problema: como vamos expandir o nosso império?[e aqui não mais se especula, e sim se opera, o modus se faz operandi].

Se temos que expandir nosso império, teremos sim de nos haver com os limites, com as fronteiras. Neste ponto Eco lembra quão importante eram as pontes em Roma. Justamente porque elas comportam algo de potencialmente sacrílego, pois elas transpõem os vaus, ligam o que se pusera separado, se propõem a supressão de limites. Eco lembra que construir pontes em Roma era tarefa entregue aos auspícios de um pontífice [construtor de pontes e também autoridade religiosa].

Aqui deixamos de acompanhar o curso do texto e tomamos um primeiro desvio. Algo por dentro das ideias que nos passam na mente se põe a crescer. Algo de um bulício inda esperando se acalmar queria já se por andar em outras direções. E, por fim, deixamos o texto e recordamos Janus bifronte, que nos mostra duas de suas faces, aquelas feitas de saudade e desejo, de memória e imaginação, e que, no entanto, escondia a sua verdadeira face, que era o limiar, o beijo, o enlace que denominamos tempo presente. Por fim, nos aproximando um pouco mais e observando melhor, percebemos, Janus, o Senhor do Limiar, também é uma ponte.

Mas como tudo na mente parece seguir aos saltos, vamos tocando em frente, até chegarmos a uma prainha junto ao córrego. Apeamos. Descansamos um pouco as ideias. E nos pomos a acompanhar novamente o curso da leitura. Agora Eco lembra que o mundo de Hermes não é o mundus do modus romano. Mas é onde o princípio nem sempre coincide com o início, onde o fim nem sempre acaba. Aqui nem sequer aprendemos lógica, ou simplesmente já a esquecemos. Aqui a lógica é a de quem foi pego pela contradição, de quem segue em acordo e desacordo consigo, onde tudo que se é é ao mesmo tempo, onde a trajetória é o susto.

Então, num repente recordamos o que Buber nos conta em Histórias do rabi: Um rabino de Cracóvia, vivendo em penúria, contudo fiel a D’us, tem um sonho. Lhe é dito neste sonho, que se for até a ponte que leva ao palácio do rei lá encontrará um tesouro. Então, faz a viagem. Chega a ponte. A ponte é guardada dia e noite. Ele teme cavar. Fica rondando o lugar. O chefe da guarda, que o observara, o chama. Ele conta porque estava ali. – Tu, então, crês em sonhos! Pois, fosse eu crer em sonhos deveria ir até Cracóvia, na casa de um certo rabino e cavar embaixo do forno de sua casa, que lá encontraria um tesouro – O rabino se despede e volta pra casa.

E parece que assim podemos chegar a compreender estes dois modos de estar no mundo, aquele que se confunde com um dos campos em que nos põem as fronteiras. E o outro que sabe que aquilo que entendemos como o lócus que habitamos se ergue sempre sobre um limiar. Mas é a issozinho somente, assim, onde nos trouxe este hábito tolo de se pôr a ler como quem lustra quinquilharias, esperando topar com uma qualquer lâmpada que nos liberte o gênio do lugar.

Jaime Medeiros Jr. é poeta portoalegrense (1964), pediatra. Autor do livro de poemas Na ante-sala. Mantém os blogs Tênues Considerações e O Arco da Lira.

A prosa ligeira de Jaime Medeiros Jr. aparece neste blog quinzenalmente às quartas-feiras.

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2 Respostas to “A prosa ligeira de Jaime Medeiros Júnior: Das pontes, sobretudo”


  1. 1 Ana Cristina Aço
    28 de setembro de 2011 às 18:18

    ‎…” Janus, o Senhor do Limiar, é também uma ponte”. Lindos percursos esses que percorres, Jaime. E belas pontes – gosto de pontes – que nos desassossegam, levam, trazem de volta .. para o o lugar onde o tesouro está e não sabíamos …. No entanto, foi preciso fazer o percurso até a ponte, por uma outra ponte que se nos estendia ali …

    Pois, e Hermes … mais o caminho das pedras … gosto de pedras… E termino citando-o, Jaime. Porque gostei: “Aqui a lógica é a de quem foi pego pela contradição, de quem segue em acordo e desacordo consigo, onde tudo que se é é ao mesmo tempo, onde a trajetória é o susto.”

  2. 2 ROBERTO MEDINA
    28 de setembro de 2011 às 14:14

    AMIGO JAIME, QUE PONTARIA!
    PARABÉNS!
    MEDINA.


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