.
.
Beleza, Bondade, Ingenuidade – por Roberto Medina
O primeiro raciocínio do homem é de natureza sensitiva…: os nossos primeiros mestres de filosofia são os nossos pés, as nossas mãos, os nossos olhos. ( Jean-Jacques Rousseau )
É reconfortante debruçarmo-nos sobre as janelas da existência e aprisionarmos o que há de fugidio e instantâneo. Viventes que somos ainda possuímos farelos do primitivo e arcaico nas nossas mentes verdejantes, como moscas ao redor da lamparina bruxuleante. As necessidades de cada um causam impactos desastrosos no combate de idéias e de pensamentos. Alguém possui a Verdade? Diógenes e o lampião em plena rua, de madrugada, à procura de um homem justo e bom. Os gregos continuam na moda, sobremaneira as máscaras vão nos guiando no coletivo, sob a égide da verdade e do engano.
Como ansiosos por um crescimento e reconhecimento, devastamos a mata para ficarmos com o pasto e a grama e a pedra e o barro e o pó. Exterminem-se os pássaros, rosas e fadas! Vanitas é a senhora dos desertos humanos. Sim: a vaidade.
Ao pensarmos e nos pensarmos, alguns passos ficam no resgate de uma realidade exterior e interior do que possivelmente venha ao nosso compósito ideal. Tentativa inútil de aprisionar o ar com rede de caçar mosquitos…
Um exemplo de Vanitas na vida de qualquer um deixa transparecer o cerceamento autoritário da possibilidade de se ver… ou seria de se enxergar – distinto do olhar!
Platonicamente, vivemos nos auspícios da completude e na magnificência do aplauso alheio, sendo que tantas vezes costuramos o espetáculo nas fronteiras de uma casca de ovo.
O ingênuo passa distraidamente pela vida, subestimando o que está fora do seu eu/umbigo, no entanto, várias vezes, esquece-se do “homem cordial” de Sérgio Buarque de Holanda, uma falsa humildade – protetora de si e avassaladora do outro. Postura essa tantas vezes utilizada para o avanço em territórios alheios.
Léthe – o engano – desconstrói o olhar rapidamente. Acredito na soberba e luxúria judaico-cristãs. A empáfia é enganadora: basta lembrar que caixões não apresentam gavetas. O que deste mundo vem, dele se nega sair – fomes bárbaras, mortes de súbito.
De nada vale o espelho quando Narciso está cego!
Maquino aqui com meus miolos que a idade está desvelando alguns aspectos sombrios meus. Aquilo que não me incomodava agora gera desarranjo: físico e existencial.
Perceber a realidade, apesar de ela não ser o que leio, mas uma possibilidade do que venha a ser: sou ignorante, como tu que me lês. Às vezes, tento calibrar meus punhos e esmurrar a pena certeira de Machado de Assis – isso mesmo – o escritor da periferia que fala sobre o eu-latino-americano, quem somos nós? O que sou eu? E na via de Clarice Lispector: Sou mesmo?
Preciso olhar mais os debates políticos na tevê; nas propostas salvadoras; nos homens com fichas alvas: assim eu doaria minha bondade, beleza e ingenuidade.
Seriam os burros mais felizes? Inteligência rima com arrogância ou é tudo similar?
.
Roberto Medina leciona português, inglês e francês em escolas, cursos preparatórios para concursos nacionais e internacionais. Foi professor de projetos literários na UDC –Faculdade Dinâmica Cataratas –, em Foz do Iguaçu. É editor e consultor de textos para editoras e autores independentes e ministra oficinas, cursos e palestras sobre temas literários e culturais em universidades e outras instituições no Rio Grande e no Paraná. Tem contos publicados na antologia 101 que contam e Brevíssimos (org. de Charles Kiefer), e lançou recentemente o livro de poemas Pedrarias. É autor dos textos dramáticos Você precisa saber (peça teatral escrita para a Cia. Amadeus), Silêncio (peça teatral para o Teatro da Adega, SP), Até que (monólogo para a atriz Cláudia Ribeiro) e Fernando Palavra (para a Cia G3).
.
0 Respostas to “Um pouco mais do mesmo, a crônica de Roberto Medina”